Rede Afro Turismo

Afro Turismo e Turismo Étnico foram o foco de um evento muito interessante do qual participei na semana passada, o “Turismo e Experiência: um Mercado em Franca Expansão” que foi realizado por um grupo de pessoas que tem movimentado essa área, além de representantes de alguns governos e de agências que promovem o intercâmbio afro.

Aprendi muito nesse dia e queria dividir um pouco do que vi que tem sido feito para aumentar o afro turismo e o turismo voltado para experiências em busca das raízes e da ancestralidade afro.

O evento foi dividido em 4 temas blocos de temas: um breve olhar sobre o mercado do Afro Turismo, ações e políticas de fortalecimento do setor, África como destino e apresentações da rede e experiências. Além de contar um pouco do que já está rolando, o evento serviu para agrupar os envolvidos que formarão a Rede Afro Turismo que já está super bem encaminhada, com agenda alinhada e gente incrível trabalhando nela. Aguardemos!

O que é Afro Turismo e o que é Turismo Étnico?

Começando do princípio, porque eu nem mesmo conhecia essas definições e tenho certeza de que não sou a única! Pedi ajuda da Thainá Santos, que é uma turismóloga muito simpática que tem estudado o tema do afro turismo. Ela me esclareceu que o turismo étnico é uma vertente do turismo cultural e tem como objetivo “a valorização cultural do patrimônio material e imaterial de um determinado grupo étnico” que no caso do turismo étnico-afro é a população negra e sua identidade.

Já o Afro Turismo seria um novo conceito que faz um “diálogo com o turismo e as pautas em comum da população negra, a partir do conjunto de questões diaspóricas e das relações étnico-raciais”, ou seja, seria um turismo de experiência com a intenção não apenas de valorizar a cultura afro, mas de resgate da história e da ancestralidade em contextos sociais e individuais.

Olha que interessante! O Afro Turismo não quer apenas levar para passear, quer fazer as pessoas sentirem, viverem e reviverem tudo que envolve a cultura afro: história, línguas, religiões, origens, música, artes…

Pode parecer algo corriqueiro, mas não é. Isso é parte de um movimento crescente de resgate e empoderamento de toda uma imensa população (cerca de 96 milhões de negros no Brasil, de acordo com o IBGE) e que é bastante importante e necessário

Por que o Afro Turismo é importante?

A Thainá falou um pouco no evento e pensei muito sobre as questões que ela apontou. Contando um pouco da própria história, relatou a sua percepção, ao fazer sua primeira viagem internacional, de que haviam poucos negros viajando e de que a reação das pessoas com relação ao viajante negro é sempre de sub-representação, invisibilidade ou exotização. Ela não comentou isso, mas porque eu mesma já presenciei, vou incluir minha própria percepção de que a exotização é ainda mais intensa e perturbadora com as mulheres.

Quando voltou para casa, ela resolveu fazer uma pesquisa baseada na seguinte pergunta: a cor da pele afeta a experiência enquanto viajante? E claro que a resposta era sim, mas como?

O racismo foi o quarto motivo mais apontado como um fator que desestimula os viajantes negros que responderam sua pesquisa. Aos desavisados pode parecer um tanto óbvio, e aos malucos pode parecer absurdo, mas esse tipo de análise muda vidas.

Eu acho bem curioso que a maioria das pessoas ache que a única coisa que impede alguém de viajar é dinheiro. Claro que isso impede mesmo em muitas ocasiões e nem vou entrar na questão de como viajar barato, mas a verdade é que existem realmente inúmeras razões que fazem pessoas deixarem de viajar. Muita gente simplesmente tem medo do desconhecido, não gosta de mudanças na rotina ou na alimentação, outros acham que não conseguem viajar sem falar outra língua, milhares de pessoas não suportam a ideia de viajar sozinhos, mulheres também tem medo de viajar sozinhas por violência e assédio, tem gente que tem medo de avião, enfim, o racismo é só mais um desses motivos.

E se tem tanta gente falando sobre a superação desses medos e incentivando viajantes a sairem mundo afora, é mais do que urgente que existam pessoas falando também sobre o racismo, criando novos caminhos, trazendo relatos, ajudando os outros.

E dentro desse contexto, o Afro Turismo surge também para abrir portas para esses viajantes, colaborando para que conheçam sua cultura de forma mais profunda, mas também  para que saiam pelo mundo sem medo.

Quem já faz Afro Turismo e Turismo Étnico – Afro?

Já existe uma galera bem legal fazendo Afro Turismo, todos presentes no evento para iniciar essa rede!

A pioneira na área, super elogiada por todos com toda razão é a Rota da Liberdade, da historiadora Solange Barbosa. O projeto começou em 2004 para valorizar a cultura africana e afrobrasileira, combatendo o racismo e a discriminação. Desde 2006 faz parte das rotas turísticas do estado de São Paulo e tem vários tours no Vale do Paraíba, Serras da Mantiqueira e do Mar e Litoral Norte. Pois é, eu que morei no Vale do Paraíba nem sabia da existência do Quilombo da Fazenda que a Solange visita!

Me senti muito por fora e fiquei repensando como o mundo é grande e repleto de história, até quando é perto! Lembrei também que Nossa Senhora Aparecida, aquela mesma, a padroeira do Brasil, é uma aparição negra no rio Paraíba e fui juntando alguns pontos…

Um dos tours leva por Taubaté e arredores mostrando a vida caipira “nos passos de Jeca Tatu”, há oficinas de pintura, música e dança afro, há visita aos quilombos do litoral e até tours internacionais pela Etiópia, Nigéria, Angola e EUA. Muita gente ressaltou o reveillon no quilombo que foi organizado por eles. Fique de olho na programação!

Já em São Paulo a Black Bird Viagem organiza a São Paulo Negra, uma caminhada pelo centro da cidade contando a história dos lugares e os nomes ilustres da cultura afro. Fique de olho na programação, porque nada mais maravilhoso do que conhecer melhor uma dessas mil cidades que é São Paulo! Veja aqui um ótimo relato da caminhada.

A Bitonga Travel foi fundada pela Rebecca Aletheia e é formada por um grupo de mulheres com o objetivo de incentivar as mulheres negras a viajarem mais e elas organizam vários tours interessantes.

A maioria desses serviços estão sendo comercializados na plataforma Diaspora Black que é 100% focada no afro turismo. O objetivo deles é juntar viajantes e anfitriões que valorizem a cultura afro e não tenham preconceitos para formar uma rede. É protagonismo negro que fala, viu?. Feito por uma galera poderosa para ser uma referência.

Intercâmbio Afro

Além de todas essas opções de passeios e viagens de imersão, ainda há quem esteja focado em intercâmbio em países de cultura Afro, como a Bernatur e a Go Diáspora, que além de intercâmbio leva a galera pro Afropunk, um dos maiores festivais de afro music do mundo. A Go Diáspora é da fofa Sauanne, que participou da mesma reportagem que eu na Voz da América falando sobre estudar na África e você pode ver aqui e aqui nossos depoimentos.

Pois é, eu fiz um MBA que teve 3 meses de aulas em Angola e foi uma experiência transformadora na minha vida, que recomendo a todos (contei um pouco sobre o curso e a vida em Angola aqui nestes posts). Eu aprendi demais, profissional e pessoalmente e fiz amigos pra vida. Angola é um destino incrível que ainda não tem uma boa estrutura para o turismo, mas tem tudo para ser desenvolvido e vi no evento várias ideias bacanas para resgatar a história entre Brasil e Angola, que é super ligada. Tomara!

Gosto sempre de desmistificar um pouco a imagem de que viajar pela África é difícil que muita gente tem e por isso coloca os países africanos no final da lista de desejos de viagem, depois da maioria da Europa e dos EUA. Às vezes é difícil sim, da mesma forma que é no Brasil. Porém, muitos países são super bem estruturados, como a África do Sul, apenas para dar um exemplo, que é uma delícia de viagem e um ótimo destino para aprender inglês. Além de afiar a língua você vai tomar um banho de cultura no seu intercâmbio.

Estou aqui torcendo para a rede crescer e se multiplicar, apoiando sempre! Como disse a Luciana Paulino da Black Bird, se a viagem é transformadora, por que não pode ser inclusiva? É isso, viajar é para TODOS!

E deixo aqui o blog  No Mundo da Paula da querida Paula Augot, que viaja o mundo todo e conta suas experiências sendo negra e também esse post-guia ótimo do  Guia Negro escrito pelo Guilherme Dias, que traz uma lista enorme de viajantes negros que tem muito o que dizer para seguirmos.

Planeje sua viagem!

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