Surpreender-se. Vai ficando difícil depois de tantas viagens, de tanta informação à um click. Continuo sentindo, claro! Amo ou odeio lugares, admiro paisagens, aprendo, mas aquele sentimento puro de UAU! é raro.
E então cheguei ao Butão. Um país pequeno, caro ao ponto de ser quase inacessível, simples em tudo e em todos. E lá, vou mais fundo e chego num vilarejo de 300 habitantes para participar de um festival budista, Gasa.
Viagem ao Butão: festivais, cultura e felicidade
Ainda bem que explicaram o que era porque vendo aqueles homens de roupão e botas coloridas, aquelas tendas todas estampadas com dragões e serpentes, as bandeiras tremendo ao vento, os cavalos, as músicas e danças tão folclóricas, eu não sabia se tinha chegado num novo reino de Game of Thrones ou numa cidade medieval, se tinha viajado no tempo ou no espaço. Terra, 2017, me parecia impossível. Eu e o Gabriel, chegando naquele SUV prateado, parecíamos seres de outro planeta descendo a nave no meio de um vale maluco. Fomos solenemente apresentados ao governador do distrito, ao dono da fazenda onde dormiríamos, à monges de mil anos, e instalados na tenda vip pra assistir tudo enquanto chovia cântaros. Batem tambor, recitam mantras em tom tão grave e vibrante que, mais uma vez, a única imagem que me vem é de seres de outro planeta. Dançam, olham pra nós, olhamos pra eles. UAU! UAU! UAU! Que delícia de sensação de não saber nada sobre aquilo, de viver com todos os sentidos uma experiência tão doida!
Por alguma razão não sei qual, vesti ao acordar uma calça de algodão rosa claro e uma sapatilha de tecido. Passei a manhã no festival, meio molhada, meio embasbacada, totalmente suja de respingos de lama. Me senti muito desalinhada, despreparada para tudo o que acontecia ali e, ao mesmo tempo, sentada numa esteira sobre palha molhada, me senti aconchegada e bem vinda. Nada como uma grande mudança de ambiente para abrir as contendas de emoções que nem sabemos que podem aflorar de nós mesmos.
Ao deixar para trás aquelas tendas mágicas, fui levada pelas montanhas para chegar à singela fazenda que nos abrigaria naquela noite. Tudo era simples, mas limpíssimo e tão arrumado que tive vergonha das minhas bagunças, mesmo que ninguém ali nunca as visse. Não era uma arrumação para nos receber, dava para ver a ordem natural de tudo em seu lugar. Na cozinha, onde fomos acomodados ao redor do fogão à lenha para descongelar os pés, não havia armários e tudo estava disposto em prateleiras abertas. As panelas brilhavam em ordem de tamanho, junto com caixinhas de tempero e outros utensílios. A memória da minha mãe, que sempre exigiu brilho de todas as panelas, talvez por influência da mãe dela, me invadiu e imediatamente me senti em casa. Sei que parece loucura se sentir feliz ao entrar numa cozinha aparentemente pobre, porém lustrosa, mas foi isso que o Butão fez comigo. Claro que as duas refeições que fizemos ali foram divinas. Quem cuida assim da cozinha nunca seria displicente com sabores.
Os moradores da fazenda estavam no festival, que durava três dias, mas deixaram Damchoa e o marido para nos receberem. Ambos conheciam poucas palavras em inglês, mas com mímicas foram muito simpáticos, nos serviram chá e assim que a chuva deu uma trégua, sugeriram que fossemos ao “banho”. As águas termais do Butão são bastante famosas, não tanto pelas comodidades para os turistas, mas porque realmente são onde os locais relaxam, buscam alívio para doenças e, principalmente, tomam banho!
Para mim águas termais sempre foram um lugar de lazer e ali também ficavam num local organizado, com piscinas de madeira em diferentes temperaturas, todas cobertas e com banheiro, mas a entrada é pública e toda a população vem ali tomar banho. Quando sentem vontade. Pelo menos na fazenda eu não vi um lugar para tomar banho, é possível que exista nas casas, mas é ali que eles vem tomar banho pelo menos uma vez por semana, segundo nos contaram. Os homens entram de short e as mulheres com bermudas e camisetas ou, quando mais velhas, numa atitude que até hoje não entendi naquele povo tão pudico, sem blusa. Nas piscinas não tem nenhuma separação por sexo, é um evento totalmente familiar e como tudo no Butão, compartilhado. Mesmo que eu decidisse não aproveitar o lugar no biquini que eu vestia debaixo das roupas quentinhas que eu tinha providenciado depois da gelada manhã, todas as atenções se voltaram para aqueles estranhos que ali apareceram. Um misto de felicidade e curiosidade com a nossa presença, mas me inibi e confesso que fiquei com medo do frio, então só fiquei esperando e observando aquela situação inusitada em que nos metemos. O Gabriel se tornou então a atração principal, mas garantiu que o banho foi mesmo muito bom.
Na volta para a fazenda o céu tinha aberto e estava fazendo aquele fim de tarde límpido, que dá uma sensação de bonança, de alegria. Só então pudemos perceber como o lugar onde estávamos era lindo. Uma lua cheia maravilhosa iluminava uma cordilheira de picos altíssimos cheios de neve, antes encobertas pelas nuvens. Se destacava a Khanbum, uma das mais altas montanhas da região, com mais de 6000m. Enquanto serpenteávamos entre vales e curvas, lindas plantações e flores emolduravam aquela vista. Eu poderia ficar horas andando por ali.
Ao escurecer, nos reunimos em torno do fogãozinho para o jantar. Toda a família apareceu e fiquei surpresa ao perceber que cerca de 20 pessoas moravam naquela pequena casa em plena harmonia. Não sei como se dividiram, uma vez que nos cederam um dos 3 quartoa da casa, mas todos riram da minha preocupação. As acomodações eram um pouco rústicas, mas nem deu tempo de sentir falta de algum conforto mundano.
Uma sopinha aqueceu os corações e abriu caminho para um apimentado mix de cogumelo com um queijo cremoso típico da região que seria exaltado em qualquer lugar do mundo! As panelas passavam de mão em mão pelo círculo de pessoas para se servirem, assim como um bebê gordinho e sorridente, ambos alegrando a fria noite. Eu não conseguia parar de me sentir feliz e nem me lembrei de tirar uma foto de recordação, de tão tomada que fui pela vivência daquele momento.
O dono da fazenda, Sr. Chadoa, me contou orgulhoso que tudo o que comíamos era orgânico, plantado e produzido por eles e sorriu para mim com olhinhos fechados de prazer quando eu disse que aquela era a melhor refeição que eu comia em muito, muito tempo. “Jura?”, ele me perguntou, “mesmo depois de viajar tanto? Não é possível que conhecendo tantos lugares e sabores você esteja tão satisfeita com essa nossa comunhão”. Pois é, eu também não sei como aconteceu, mas quando vi, estava apaixonada por aquela terra.
Essa viagem ao Butão foi um excesso, um presente extra que nos demos durante nosso mochilão mega econômico pela Ásia, mas esse dia tão singular, uma sugestão certeira da agência Firefox, foi para mim um dos dias mais legais de todo nosso ano sabático. Um dia em que eu concordei totalmente com o slogan do Butão, o “país da felicidade”.
Deixo por fim esse videozinho para deixar uma vaga ideia do clima e dos sons deste festival! ; )
Saiba mais sobre o Butão aqui:
* Butão – O País da Felicidade
* Passo a Passo para Conhecer o Butão.
* Roteiros para uma Viagem para o Butão
* 10 Atrações Imperdíveis no Butão
* Como é Dormir num Monastério Budista no Butão
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