MBA Atlântico – O aprendizado
No primeiro dia confesso que não entendia nem o nome das pessoas. Nosso português, apesar de único, é totalmente diferente! Ironicamente, quando expliquei os motivos do meu desligamento no escritório meu chefe me deu os parabéns, me desejou sorte e sucesso e disse que só era uma pena que este curso não oferecia uma experiência em línguas. Nada mais distante da realidade!
Além de sotaque e entonação, diferimos na gramática e no vocabulário. Eles estão um pouco mais habituados, pois ouvem nossas músicas, assistem nossas novelas (sem dublagem) e nós brasileiros, que não sabemos nada sobre Angola e nos limitamos às piadas com portugueses e achamos que a diferença é que ao invés de dizer estamos estudando eles dizem estamos a estudar, temos muuuita dificuldade para compreender. Para se ter uma idéia, achava que o David (que em português luso lê-se Daviiiide) se chamava DeVida, que o Paulo e a Andreia eram de Alfafle e não de Fafe, e ficava quieta quando eles diziam “então”, esperando pela história que viria a seguir quando, na verdade, o “então?” Era o nosso “E ae?”. Achei melhor pegar um caderninho e começar a anotar, embora até hoje fale o nome do David errado.
Não é só isso. Cada um de nós tem seu jeito de falar, seu modo de pôr as palavras que está ligado à cultura. Portugueses falam mais baixo, brasileiros mais alto, angolanos mais alto ainda. Portugueses são diretos, angolanos também, mas podem ser incrivelmente indiretos e brasileiros são nada diretos. Portugueses dizem logo não, angolanos dizem não ou simplesmente somem e brasileiros nunca dizem não, dizemos me liga amanhã que a gente vê se dá…
Fomos nesse curso até o mar profundo do português, seguindo mesmo a rota da lusofonia que nos foi traçada e que eu nem imaginava que existia. Acostumamos os ouvidos, aprendemos a compreender o que era entonação de humor, o que era segredo, o que era sério, quando a situação pendia para o descontrole. E aprendemos palavras novas. No Brasil uma coisa é legal, em Angola é gira, em Portigal é fixe. Aliás, fui anotar essa no meu caderno e tomei bronca porque escrevi fiche, onde já se viu, é com X, ô Bruna!
Um misto quente é uma tosta mista, uma torrada é uma tosta e um pão com manteiga na chapa é uma torrada. Um sanduíche é uma sande mesmo. Abacaxi é um tipo, o mais comum é ananas, mamão é papaia, presunto é fiambre, suco é sumo, bitoque é um bife com presunto e ovo, molhinho de pimenta é piripiri, um sonho é uma bola de belém, um bife com pão é um prego no pão, fubá é fuba, canudo é palhinha e camarão é gamba.
Sem falar que o pessoal é a malta, o ônibus é o autocarro, o trem é o comboio, xícara é xávena, perceber é entender e saber não significa apenas saber, signfica sabor. Achava engraçadíssimo um slogan de uma marca de suco: “Este sumo sabe bem”. Eu já tinha aprendido que o significado era “este sumo tem um gosto ótimo”, mas não conseguia deixar de pensar como um suco podia saber alguma coisa. E nunca entendia quando depois de dar uma garfada num novo prato exótico alguém me perguntava: sabe bem??? Fazia sempre cara de hã? e em seguida ouvia um já impaciente: é gostoso? Ah sim, é gostoso sim, eu que não tinha “percebido” a pergunta…
E em Angola, como no Brasil, o português se mistura com outras línguas, as que ali existiam antes da colonização. Hoje, é difícil encontrar quem saiba falar umbundo, kimbundo e outros dialetos (embora o google esteja disponível em kikongo, entra lá, passei dias me divertindo com isso), mas a mistura é evidente. Um angolano é um mwangolê, uma van é um candongueiro, um amigo é um kamba, uma menina é uma mboa, e a-hã é ya!
Depois de 1 semana você já se adaptou, embora continue aprendendo e se surpreendendo até o final. A piscina era a pisxina, a exceção era a echeção, a recepção era a receção, etc… O problema é acentuado em Portugal, onde o acordo ortográfico trouxe muitas mudanças como a retirada dos p e dos c do meio de palavras por suposta influência brasileira. Eles insisitam que o certo agora no Brasil era receção porque o p ali não existia mais. Cansei de explicar que aqui o p continuava no mesmo lugar e resolvi falar receção também….
Aqui o aprendizado é ao contrário, mas eu me divertia horrores vendo como nossas expressões do dia a dia podem ser completamente diferentes. A grande piada na sala quando se falava da língua “brasileira” era: “quer CPF na nota? Nota paulista?” e deu muita confusão nas primeiras idas da galera aos restaurantes. O que é CPF? E nota paulista? E nota? Afinal, a nossa nota fiscal é o recibo para eles. Sem falar no meu, no cara, no irado e nos palavrões.
Quando chegamos à Portugal já estávamos infinitamente mais habituados e entendiamos bem melhor tudo, mas o vocabulário continuava crescendo. Uma alheira era uma linguiça de aves, uma fávera é um bife de carne de porco, um joaquinzinho é um peixinho aperitivo, um presentinho é um miminho, um doce pequeno é uma miniatura ou um bébe e uma delícia do mar é uma coisa esquisita que parece um kani, mas até hoje não consegui identificar muito bem o que é.
Bom, além de pegar seu diploma de master em lusofonia, saiba que vai estudar muito. Apesar de ser um curso meio exótico, houve muita preocupação com o programa e em fazer com que este seja um curso de ponta. Claro que ele já é especial pelo simples fato de existir neste formato ou de ser o primeiro MBA de Angola e também é claro que, como em qualquer curso, há tropeços, bons e maus momentos. O que vi, no entanto, foi abertura e vontade de corrigir os erros.
O curso é generalista, ou seja, não há foco em marketing ou planejamento financeiro, transitando pelas áreas da gestão e da internacionalização, pincelando um pouco de tudo. Você também não terá um conhecimento muuuito profundo de nada, a não ser que queira e se dedique mais, mas terá embasamento para continuar na direção que escolher e muita bagagem para tomar decisões. Em resumo, será difícil entrar em uma reunião, seja da área que for e sair sem entender nada depois disso (adoro!). Será mais difícil ser enganado ou enganar-se e será muito mais fácil entender sua empresa como um todo, seja ela pequena ou grande. Sem falar no empurraozão na direção do empreendedorismo!
Também é aberto à todos os profissionais e isso traz aquela pitada de alegria. No meu ano havia advogados, contadores, gestores, economistas, engenheiros, entre outros. Quase a metade deles trabalhava em uma mesma empresa petrolífera e às vezes o tema petróleo cansava, mas também sei muito mais sobre isso e energia. Como cada um trabalhava em uma área, a troca de experiências e de conhecimentos foi incrível. Além disso, se não fosse pelo mix, teria tido muito mais dificuldade em concluir algumas matérias e só tenho a agradecer às pacientes ajudas e explicações matemáticas e financeiras…
A primeira semana é dedicada à “homogeinização” e são dados conceitos básicos de economia e contabilidade sem os quais a vida dos menos versados nessas áreas (no caso, eu) certamente seria bem mais difícil, mas para quem sempre foi de humanas, as exatas são sempre uma área nebulosa. Se pudesse voltar no tempo, teria levado para Angola um livro básico de contabilidade, outro de economia e qualquer coisa do Damodaran (o site dele já dá uma ajuda). Não que lá não tenha biblioteca, mas também tem muitos alunos, né? Bom, fica a dica.
Os trimestres são muito diferentes. Em Angola, tivemos milhares de trabalhos, muitos em grupo. Foi bom porque procuramos misturar sempre as nacionalidades e ficamos muito mais enturmados ou, em alguns casos, desenturmados. Também era bom porque o hotel era um pouco afastado e tínhamos dificuldade de locomoção, então, enclausurados no hotel, era melhor estar ocupado…
A UCAN era uma universidade bem tradicional, bem católica, com zeladores que conferiam se os alunos estavam devidamente vestidos (sofremos sem poder usar regatas e bermudas naquele calor) e tínhamos uma sala excelente, com cafezinho e ar condicionado. O MBA era a estrela ali e recebemos diversas personalidades políticas e econômicas, sem falar do Prof. Justino Pinto de Andrade, com sua longa história política que já valia uma aula. Recebemos ministros e personalidades para palestras, fomos ao lançamento do GEM, visitamos a Sonangol… Não esqueça de levar roupa social para estas ocasiões e uma roupinha de noite mais arrumada para eventuais coquetéis e outras festividades.
Já no Brasil, o período de aulas foi menor e com raras exceções, a avaliação foi feita em sala, em trabalhos tranquilos, tínhamos mais tempo livre e as visitas foram escassas embora interessantíssimas (sei que no ano seguinte as coisas foram mais intensas). A PUC é bem mais liberal (totalmente talvez caísse melhor), não menos católica, mas certamente com menor participação da igreja e em condições eternamente insatisfatórias. Ok, mea culpa, algumas coisas melhoraram desde que sai de lá em 2005, mas ar condicionado nem pensar. De qualquer forma, foi aqui que tivemos um dos melhores professores do curso, o Lawrence Chung Koo, e aqui me refiro não apenas ao conteúdo, mas a saber liderar um grupo doido como o nosso sem stress e ainda fazer os alunos chorarem na despedida! Aproveita para dar uma fuçada no blog dele!
Não sei como será daqui para frente com a mudança para a PUC/RJ, mas acredito que tudo vai correr bem. Se passar por São Paulo, não esqueça de visitar o Museu da Língua Portuguesa e de comer no maior número de restaurantes maravilhosos possível!
Em Portugal as aulas foram no prédio da Business School que, embora seja na UCP, está voltado aos cursos de pós graduação e um pouco desligado da graduação. As instalações foram ótimas, mas as avaliações, no melhor estilo tradicional, foram feitas por provas e o calendário, lotado de visitas, foi quase sufocante. Achei um pouco exagerado, sinceramente, mas foi tudo produtivo. Os professores portugueses são seríssimos e profissionalíssimos, aproveite para sugar tudo o que puder, se faz o favor!
Alías, os professores têm experiências e formações completamente diferentes, não deixe jamais de conversar mais com eles, saber de outras universidades e projetos com os quais eles estão vinculados, pegar todas as dicas de livros que eles passarem e ler (parece óbvio, mas não é).
No final, ao invés de estarmos curtindo nossos últimos dias juntos, estávamos (na grande maioria) estudando muito, preocupados com testes e notas. Em Portugal as notas vão de 0 a 20 e, diferentemente do Brasil, onde basta concluir o curso, é comum que a média final seja usada como critério de avaliação em contratações, o que trazia muita preocupação para alguns.
O que mais? Procure saber o que está rolando nos lugares onde estiver. Há palestras, cursos gratuitos, apresentações, lugares para conhecer pessoas e ideias novas, fazer contatos, muita coisa além do curso. Eu e alguns outros alunos além de toda a parte profissional até tentamos nos envolver em questões sociais, Viver assim, com letra maiúscula, cada lugar pelo qual passamos. Chegamos a nos envolver no trabalho voluntário da UCAN, mas por falta de tempo e um pouquinho de falta de interesse em nos ver por perto, não foi muito produtivo. Não custa tentar de qualquer maneira e se nada mais der certo, converse com as pessoas, se aproxime, vá conhecer as famílias, dance kuduro.
Acho importante saber que você terá que fazer projetos financeiros, planos de marketing, calcular WACCs e ROIs, imaginar operações, conhecer métodos de controle, calcular operações de reestruturação e de conversão, decorar uma ou outra lei, mas, principalmente, vai ter que pensar na sua carreira.
Ao longo do ano, você fará novos planos, se entusiasmará, desistirá, gostará de novos assuntos, tomará outro rumo, voltará para trás. Siga em frente, a cada passo, mesmo que não saiba ainda para onde você estará caminhando com muito mais bagagem e se descobrirá aplicando até na organização da sua casa conceitos que nunca sequer tinha ouvido falar!
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