Festa Junina em São Luis do Maranhão é coisa séria! Ao contrário de outras partes do Brasil, em São Luis a grande estrela junina não é a quadrilha, mas sim o Bumba Meu Boi do Maranhão. Lindo demais, o boi do Maranhão é uma tradição cultural daquelas que mobilizam multidões. Músicas, roupas, danças: é tudo único e não tem como não se apaixonar.
Considero junho a melhor época para visitar o estado. Além da eterna festa junina em São Luis do Maranhão, de quebra, é uma ótima época para visitar os Lençóis Maranhenses, pois quase não chove e as lagoas estão cheias e indescritivelmente lindas.
Em 2022 tive umas férias inesperadas bem no finzinho de junho e do dia para a noite resolvi ir para Lençóis com uma paradinha na capital.
Eu não sabia nada sobre essa época junina em São Luis e desembarquei bem no dia de São Pedro. Me vi envolvida em toda aquela alegria do boi do Maranhão, no primeiro ano de festa na rua depois da pandemia, com todo mundo querendo viver no volume máximo. Enchi meu coração de alegria e quando achei que não dava mais, me vi naquele paraíso chamado Lençóis. Foi uma das viagens mais legais da minha vida e que recomendo para todos.
Tão legal, que se eu pudesse iria todo ano. Mas fica aqui que te conto mais!
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Sotaques do Bumba Meu Boi do Maranhão
Para curtir uma festa junina em São Luis do Maranhão, comece fazendo um tour por 2 paradas do centro histórico que vão te dar uma boa ideia sobre o que vai encontrar: a Casa de Cultura do Maranhão e a Casa do Tambor de Crioula.
Além de ficar pertinho uma da outra, numa caminhada deliciosa entre as ruas todinhas decoradas com bandeirinhas, os dois espaços são razoavelmente pequenos e as visitas, embora muito ricas, são rápidas e não comprometem nenhuma outra programação que você tenha em mente.
Na Casa de Cultura as exposições são voltadas às tradições maranhenses em geral e sendo o Bumba Meu Boi a mais importante delas, inclusive tombada como Patrimônio Cultural da Humanidade, há bastante detalhamento.
Torço para que você tenha a sorte de ser acompanhada por um dos orgulhosos jovens que nos ajudam a fazer o tour pela Casa de Cultura do Maranhão. Eu fui levada por uma querida chamada Samala e foi ela que abriu meu coração para essa maravilha que é a cultura maranhense, ao me mostrar e explicar, com brilho nos olhos, a história e os sotaques do Bumba Meu Boi.
Me contou sobre os instrumento, como eram feitos e tocados, me explicou as homenagens à alguns dos mestres famosos e, no fim, ainda me encheu de dicas de como curtir a festa junina em São Luis do Maranhão. Sou super grata.
Entender os sotaques do Bumba Meu Boi do Maranhão é, na minha concepção, o primeiro passo para não ser apenas um turista espectador, que acha tudo engraçadinho, mas não consegue se conectar com o que vê.
Os sotaques são os “estilos musicais” do Bumba Meu Boi e acho essa denominação de uma poesia imensa. Afinal, a música fala com a gente mesmo.
Pois bem, são 5 os sotaques do Bumba Meu Boi do Maranhão: Sotaque de Zabumba, Sotaque de Matraca, Sotaque da Baixada, Sotaque de Orquestra e Sotaque Costa de Mão. Cada sotaque, como se vê, está ligado ao uso ou predominância de certos instrumentos musicais: a zabumba, a matraca, tambores-onça, instrumentos de sopro e pandeiros pequenos tocados com as costas da mão, respectivamente.
Há uma certa diferença também nos ritmos e tudo isso acaba influenciando no estilo das vestimentas, personagens e danças dos grupos de cada sotaque, ainda que todos girem em torno do mesmo enredo.
Quando ouvi as explicações, sinceramente não fez nenhuma diferença na minha vida, mas mais tarde, quando assisti as apresentações do boi do Maranhão, as coisas fizeram sentido e é por isso que estou te dando essa dica para aprender sobre os sotaques do bumba meu boi. Vou explicar mais daqui a pouco.
Depois da visita à Casa de Cultura, caminhe até a Casa do Tambor de Crioula e descubra as particularidades dessa outra tradição divina que só se encontra no Maranhão. Nela também os jovens nos ajudam a mergulhar na cultura. Eu fui levada pelo Lucas, que me explicou sobre a formação da “banda”, os instrumentos, a tiquira e, claro, o grupo de mulheres que gira ao som dos tambores.
São vários detalhes que fazem do Tambor de Crioula algo único. Sem informações, você pode se enganar de que aquilo é apenas batuque e roda. Nunca é, não é mesmo?
É uma manifestação cultural lindíssima, baseada em tradições africanas, que tem um simbolismo do feminino, de fertilidade, e que está sempre presente na festa junina em São Luis do Maranhão.
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Origem do Bumba Meu Boi
O Bumba Meu Boi surgiu no Maranhão no século XVIII, período colonial, época das grandes fazendas, monocultura e criação de gado. Tem influência da cultura portuguesa, africana e indígena, numa mistura meio doida.
A história do auto do boi é a seguinte: pai Francisco mata um boi da fazenda onde é escravizado para matar o desejo de mãe Catirina, que está grávida, de comer a língua do tal boi.
Os vaqueiros que cuidavam do gado descobrem e contam para o dono da fazenda, que fica maluco porque aquele era seu boi preferido, e exige que pai Francisco dê um jeito de ressuscitar o boi.
Pai Francisco apela então para os pajés curandeiros que no fim das contas conseguem trazer o boi de volta. Acaba tudo numa grande festa de celebração da paz.
Os personagens do bumba meu boi são o dono da fazenda, pai Francisco e mãe Catirina, os índios e índias, os vaqueiros, e os caboclos, que podem ser de fita ou de pena (aplicadas em seus chapelões). Em alguns grupos existe ainda a figura do Cazumbá, um mascarado meio assustador. A grande estrela, claro, é o próprio boi.
Sim, todos os grupos de bumba meu boi do Maranhão contam essa mesma história. Não, não é tudo igual.
Alguns grupos fazem apresentações que mais parecem um teatro, com grupos imensos, tudo coreografado. Alguns grupos são mais “simples”, no sentido de que as apresentações não tem esse caráter de “musical”. Alguns tem uns personagens meio obscuros, alguns são muito coloridos, alguns são mais soturnos.
É tudo igual, mas é muito diferente.
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A propósito, talvez tenha te batido uma curiosidade, se existe relação entre o bumba meu boi do Maranhão e o boi bumbá de Parintins. Eu nunca estive em Parintins e tive essa dúvida, inclusive chamava incorretamente o bumba meu boi do Maranhão de boi bumbá e esse nome é só lá de Parintins (fica a dica).
Por um acaso conheci uma manauara lá em São Luis e ela me garantiu que não tem nada a ver. Que Parintins, que ela frequenta desde criança, é um evento mais parecido com o carnaval carioca, com uma estrutura gigantesca, muita produção e disputa, enquanto o boi do Maranhão, na opinião dela, seria muito mais folguedo, grupo de bairro, coisa de rua.
Mas, ela disse que a origem da lenda deve ser comum, já que em Parintins a história começa com a mesma confusão causada por pai Francisco, mãe Catirina e a morte do boi. Mas o boi bumbá de Parintins tem outros sons, outros personagens, muitos incorporados das lendas amazônicas e, claro, a competição. Vou te dizer que nunca tinha sentido muita vontade de ir à Parintins, mas depois de conhecê-la, fique animada também!
As celebrações do bumba meu boi não acontecem apenas nas festas juninas em São Luis do Maranhão. A coisa começa bem antes, com o preparo das roupas dos brincantes e o bordado do boi, que é sempre feito de forma secreta.
Em maio o boi é batizado – porque, é claro, o catolicismo tem influência na festa também – por um padre de verdade ou, na falta deste, por benzedeiras, e só então o bordado é visto por todos e o boi está liberado para sair para a rua. Depois que libera também, o boi sai pra rua pelos próximos dois meses.
A festa junina de São Luis do Maranhão é quase diária desde o fim de maio e teoricamente, terminam em 29 de junho, dia de São Pedro, quando embarcações navegam pela orla até a Praia Grande para desembarque e procissão até a igreja de São Pedro, onde vários bumba meu boi se reúnem para uma grande festa final.
Atualmente as festas se estendem até meados de julho, mas, como já contei, cheguei bem no dia de São Pedro em São Luis e te garanto que o povo curte como se não houvesse amanhã, digo, não houvesse mais festa junina! Rá-Rá.
Inclusive recomendo bastante programar sua viagem para estar presente nessa festa, mas lembro que no dia é feriado e fecha absolutamente tudo. No dia seguinte está todo mundo de ressaca e não abre absolutamente nada. Tem que estar tranquilo e seguir para onde a vida te levar.
Quando as festas acabam, acontece a morte do boi, que tem todo um ritual. A partir da morte, o boi não sai mais para a rua e só no ano seguinte começa tudo de novo.
Eu sei que não é tão simples para nós que não conhecemos as tradições e não crescemos no meio de suas lendas, entendermos o bumba meu boi, mas dê atenção, ponha reparo. É tudo cheio de significados, de nuances, de ancestralidade.
O bumba meu boi sempre foi muito popular entre a população afro descendente do Maranhão que via na festividade lá dos primórdios uma época de alívio de sua realidade e por isso, teve sua fase de preconceito, perseguição e até proibição.
Se nada mais fizer sentido, fique com essa ideia de que é uma festa do povo, que toma a rua com suas cores e com o tarantantan dos tambores africanos, com muita luz e cantoria. Honre.
Eu fiz um resumo, até porque não sou super entendida do assunto, mas aprendi muita, mas muita coisa legal sobre o boi. E repito: iria todo ano.
Como é a Festa Junina em São Luis do Maranhão
Agora, te ajudo com os pormenores para você aproveitar bem a festa toda.
As apresentações de Bumba Meu Boi nas festas juninas em São Luis do Maranhão acontecem, em geral, em espaços pré-determinados, os arraiás. Nesses locais é montada uma estrutura com barracas de comida, palco, caixas de som, segurança e etc. e são vários, em diversos pontos da cidade.
A programação de cada arraiá costuma ser de 5 ou 6 apresentações diárias. Nem todas são de Bumba Meu Boi do Maranhão, tem também apresentações de grupos de danças folclóricas, de cacuriá (uma dança de casais que parece quadrilha), de Tambor de Crioula e alguns shows de bandas musicais diversas. Mas pelo menos 3 apresentações do dia são de Bumba Meu Boi e, como falei, sem saber um pouquinho sobre a diferença dos sotaques, não dá nem para imaginar o por quê.
Os arraiás mais conhecidos pelos turistas são os do Ipem, mais próximo da praia do Calhau, e o da Praça Nauro Machado, no centro histórico. Mas em todos eles a programação é bem bacana.
Eu fui no Arraial da Nauro Machado porque estava hospedada literalmente atrás da Praça, na Pousada Portas da Amazônia. Achei muito legal porque o espaço é pequeno e além de ficar muito perto do palco, não tem como a turma do boi chegar ou sair sem ser passando pelo meio da galera.
Além de ver bem de pertinho as vestimentas, cheias de cores e bordados impressioantes, eles sempre saem tocando e é nessa hora que você vê o espírito verdadeiro da festa junina em São Luis do Maranhão. Eles tocam com aquela energia que vem do fundo da alma, o povo sai dançando atrás, como era desde o princípio, com aquela força que emana quando a gente ocupa a rua com festa.
Aliás, cada boi do Maranhão tem sua música, mas a música “Maranhão, meu tesouro, meu torrão” é um hino não oficial que todos os maranhenses, de todas as idades sabem cantar. É lindo demais quando alguém puxa e simplesmente todo mundo fecha o olho e canta. Tem uma gravação da Alcione e ela sempre canta nos shows o hino da sua terra!
O lado menos bom da Nauro Machado é que não tem as barracas de comida (mas tem vários bares, restaurantes e barracas de drinks ao redor) e também é um espaço mais democrático, então embora tenha bastante segurança, tem que ficar mais atento aos seus pertences.
Por recomendação do pessoal da pousada, visitei numa noite o Arraial da Praça Maria Aragão e foi bem legal também. Nesse, o espaço e o palco eram muito maiores que o da Nauro Machado, então tinha shows de bandas, espaço com mesinhas e cadeiras para comer e tem uma enorme escadaria de onde, se você cansar, pode ver as apresentações sentado.
Não posso afirmar que seja sempre assim, mas em geral em cada arraiá as apresentações costumam começar com um grupo folclórico ou Tambor de Crioula , depois tem o ápice, que costuma ser a apresentação de um Sotaque de Orquestra ou da Baixada, um Sotaque de Matraca e terminar com Sotaque de Zabumba ou de Costa de Mão ou uma banda.
Os bois do sotaque de orquestra costumam ser os mais grandiosos, show mesmo. Tanto a banda quanto o grupo de brincantes é enorme, com um bando de vaqueiros, um bando de caboclos e um bando de índios e índias que, pelo que me explicaram e vi ao vivo, são os destaques da apresentação. Pessoal até esquece do boi, coitado, todo mundo só quer ver a galera que performa os índios em suas roupas minúsculas e seus corpos super marombados.
O Boi de Morros é um dos mais prestigiados entre os de sotaque de orquestra.
Os bois de sotaque de Baixada são os que trazem os Cazumbás, os mascarados que simbolizam a união entre os espíritos de homens e animais e costumam usar roupas com uns mantos todos bordados lindíssimos, junto com caboclos de pena. Os bois mais famosos desse sotaque são o Boi da Floresta, Boi União da Baixada e o Boi de Santa Fé. Estes últimos ainda utiliza uns adornos de cabeça luminosos dos quais não temos como tirar os olhos.
Os bois de matraca são super populares porque tem uns pandeirões bem animados e qualquer pessoa pode sair tocando matraca junto (são dois pedacinhos de madeira que são vendidos em absolutamente qualquer lugar de São Luis). Esse sotaque usa bastante penas escuras de emas, tanto para caboclos quanto índias, que são bem diferentes dos de orquestra. O mais famoso dessa turma é o Boi de Maracanã, que eu adorei.
Reza a lenda que o Sotaque de Zabumba é o que deu origem ao boi do Maranhão. Não sei se é verdade, mas quando você assiste um grupo bem tradicional desse sotaque é fácil acreditar que sim. É “puro”. Não sei se dá para usar essa palavra, mas vou usar por falta de outra melhor.
É que é um som muito profundo, que parece vir mesmo lá de longe, onde as pessoas são visivelmente muito conectadas com a tradição original. Não sei, tive a impressão de ser algo que manteve o sentido de comunidade que esse tipo de grupo sempre tem em sua essência.
Costuma ser uma apresentação menos “show”, bem intimista e peculiar. Os grupos desse sotaque são o Boi de Guimarães, Boi de Vila de Passos, entre outros.
Dizem que o sotaque de Costa de Mão é uma variante do de Zambumba. É também um dos mais antigos e quase foi extinto, pelas dificuldades de tocar com as costas da mão, que muitas vezes ficam machucadas. São grupos com lindos bordados também e com os caboclos de fita. Os mais famosos são o Brilho da Sociedade e o Rama Santa.
Em todos eles, repare na atuação do “miolo”, a pessoa responsável pela performance do boi. Existe toda uma coreografia, é super bonito (e difícil, eu acho).
Com tudo isso de informação, você pode tentar evitar os erros básicos do turista perdido nas festas juninas de São Luis do Maranhão (turista essa que eu mesma fui), e que são os seguintes:
- chegar cedo demais no arraiá e ter que esperar muito pra ver os bois, especialmente em um dia mais cansativo ou se você só se interessar pelas apresentações mais impactantes, que só vão acontecer mais pro meio da programação. Dê uma investigada na programação previamente;
- ver o primeiro boi, achar que já viu tudo e se dar por satisfeito, perdendo a beleza das diferenças entre as diversas apresentações e, para quem gosta como eu, perdendo a chance de observar como as pessoas se comportam e transbordam sensações diante dos variados sotaques. Assista com calma;
- menosprezar os grupos de dança, o Tambor de Crioula ou os Bumba Meu Boi menos performáticos como o de Zambumba, que são maravilhosos;
- não sentar quando tiver oportunidade;
- sair provando a tiquira, com a qual você eventualmente pode ultrapassar um portal perigoso rumo à terra da amnésia (a tiquira é uma cachaça fortíssima, é sério esse bilhete);
- não seguir o boi que passar do seu lado cantando e dançando como se amanhã pudesse começar uma pandemia mundial.
Em matéria de comidas e bebidas, as barracas tem algumas especialidades maranhenses como o arroz de cuxá, mugunzá, vatapá, torta de camarão, patinha de carangueijo e o pastel de vinagreira. Mas também outros tipos de comidas comuns como burguers e pizzas.
O mais delicioso de tudo? O tempo quentinho com a brisa da “viração” que vem do mar e deixa a temperatura perfeita. O vento ainda faz as bandeirinhas balançarem e brilharem dia e noite, nos levando por essa incrível viagem pelo Maranhão.
Aproveite demais! E depois me conta. ;D
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