Uma vez li num livro que para ter uma vida melhor precisamos aprender a lidar com nossos medos e preocupações e que um bom começo é treinar a mente para criar espaço.
Funcionaria mais ou menos assim: quando você estiver sufocando por algum sentimento ou angústia que estejam fazendo você se sentir num espaço minúsculo e sem um pingo de positividade você senta e começa a imaginar que está rodeado por espaço vazio em todas as direções, sem paredes, limites, edifícios. Nada além do céu azul vasto e totalmente aberto até que sua mente comece a se parecer com ele.
Li esse livro, chamado Chaves para a Felicidade de Kyabgon Phakchok Rinponche, porque comprei uns incensos pela internet e a loja, por engano, mandou junto esse livrinho que era de outra compra. O dono da loja estava no Nepal e eu precisava esperar ele voltar para devolver. Então resolvi dar uma lida e achei esse ensinamento impressionante. O que nos guarda o destino, não é?
Tente ai. O peito alivia na hora e aquele problema insolucionável pode ser encarado novamente.
Bom, foi isso que me veio à cabeça quando desci no aeroporto de Calama, em pleno Atacama. Liberdade na cabeça!
O Chile é estreitinho, você sabe né? E o deserto do Atacama está no meio das Cordilheiras do Sal e dos Andes. Do avião você acha que só tem montanha, mas de repente, tchram! Nada por todo lado. Você ainda vê as montanhas, mas elas simplesmente parecem muito, muito longe, embora não estejam tão longe assim. São cerca de 1000km2 só de deserto! É muito nada por todo lado. Tanto nada que eu nem conseguia encontrar um problema na minha cabeça para poder deixar bem pequenininho no meio de tanto espaço.
Curiosamente passei rapidamente da sensação de espírito completamente livre para a de preocupação total. Cadê a vida? Cadê a cidade? Cadê todo mundo, os bichos, as plantinhas que gosto tanto, a chuva, e se a gente se perder, e se o carro quebrar no meio do nada, será que tem comida, que que eu vim fazer aqui?
Ai lembrei de um outro livro em que o personagem, que viveu a vida toda num espaço pequeno tinha que fugir para outro país e ficava perturbado com o excesso de horizonte que ele tinha à frente. Sempre achei essa ideia bizarra. Como alguém pode ficar incomodado com toda a estrada livre pela frente?
Resolvi seguir com o vento, que diga-se, era muito forte.
O nada, nada, nada por todo lado começou a se encher: poeira, terra, pedras, um pedacinho de Calama com todas as casas idênticas, algum lixo, umas cruzes, torres de energia eólica, placas para cidades desconhecidas, um ou outro carro e depois mais nada, nada, nada por uns 40 minutos seguidos, mas uma verdade deve ser dita: aquela estrada tão pitoresca é melhor que qualquer estrada do Brasil.
Do nada, surgem árvores. Não uma ou outra, mas várias, tipo um bosque. Depois soube que era uma tentativa frustrada de criar um bosque ali mesmo e, então, chegamos em San Pedro de Atacama.
No meio daquela imensidão tão grande, achei estranhíssimo que na cidade fosse tudo tão pequeno. Construções baixas, com portinhas e janelinhas sempre fechadas, ruas minúsculas. Tudo tão marrom que era difícil dizer o que era chão e o que era parede. Não adianta querer voar, ali é chão-chão, terra-terra. Os cancerianos só encontram alívio na lua mesmo…
Já estava começando a pensar de novo se eu estava no lugar certo quando chegou o entardecer. Sai do hotel e dei de cara com o Licancabur, me avisando que nada estava muito longe, pelo contrário, ele estava ali com força total.
No fim de tarde as montanhas ganham cores diferentes, ganham vida. Eu queria muito, mas sei que nada que eu escrever aqui vai te fazer imaginar a sensação que eu tive quando dei de cara com esse vulcão naquelas cores. Sem mentira nenhuma, foi aquele impacto que realmente faz todo o ar sair de dentro do corpo e seu coração fica acelerado pensando em como você é sortudo por viver aquele momento. Bom, esses sintomas também acontecem por causa da altitude… Rá-Rá! Mas eu sei o que se passou no meu eu e fiquei ali parada, maravilhada, feliz por estar vendo aquilo com uma pessoa que eu amo tanto e que só precisou olhar para mim e mostrar que também sabia.
Fomos caminhando até o centrinho da cidade e eu me apaixonei mais uma vez, por um novo lugar. Aquela vila de 5 agradáveis ruazinhas, cheia de cantinhos lindos com boa comida, chão de terra, moradores que vivem mais na deles do que na nossa e com aquele céu rosa que me faz ter a certeza de que Deus tem um estojinho de Faber Castel igual ao meu e me enche de alegria e uma vontade louca de pintar cada um na rua de uma cor diferente… me conquistou. Até minha mãe mandou uma benção lá dos céus!
Não se engane com essa declaração! São vários momentos de desconforto. O nariz arde e sangra, o ar não parece suficiente para a sobrevivência na terra, o coração palpita, o olho parece que vai cair da cara e fugir para a umidade, o cabelo fica duro, a roupa fica suja, o calor é infernal, o frio é congelante e parece que você nunca mais vai ser capaz de dar 8 passos sem parar para descansar. Se der sorte, você ainda vai ter dor de cabeça e vômitos. Mesmo assim, você vai pirar com tanto espaço que vai ser criado para você! Rinponche esperto!
Partiu Atacama? Nos próximos posts eu dou a letra com todas as dicas!
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