O Amante de Marguerite Duras e outros livros sobre o Vietnã!
O Amante de Marguerite Duras foi um tremendo sucesso quando lançado em 1984 e continua lido e relido mundo afora. A história autobiográfica conta um pouco sobre a vida da autora no Vietnã e traz, além de um enredo interessante e cheio de reflexões importantes, um panorama da época da colonização. Percebi a partir desta leitura, que valia a pena buscar livros sobre o Vietnã ou inspirados nele, assim como escritores vietnamitas que pudessem me dar uma visão mais ampla. Queria algo que fosse além dos muitos textos que falam de alguma forma da “Guerra do Vietnã”, uma parte importante de sua história, mas que nem de longe deveria ser a única imagem que temos desse complexo e maravilhoso país.
Vem junto conhecer mais da literatura vietnamita, da longa história do país e viajar – pelos livros, mas não apenas – com muito mais conhecimento.
Ah, se te interessar, aqui também tem dicas de livros sobre o Japão!
Livros sobre o Vietnã – Literatura e História através dos livros
Vou começar falando de alguns livros que nos contam muito sobre a história do Vietnã, ainda que seus enredos não sejam o país, mas histórias de amor, de família, de poesia. São livros que nos abrem uma pequena fresta nessa cortina chamada Guerra do Vietnã que nos impede de ver tudo o mais que o país é. E te garanto, o Vietnã é incrível.
O Amante – Marguerite Duras
O Amante de Marguerite Duras foi um enorme sucesso e até hoje causa um baita impacto em todo mundo que o lê. Não por menos.
A protagonista é uma garota francesa de cerca de 15 anos que vive no Vietnã colonial em uma situação precária e se vê envolvida com um chinês rico e 10 anos mais velho, descobrindo um mundo de luxos e prazeres que não seriam alcançáveis para ela.
Apesar da pouca idade, das duras circunstâncias da vida desta garota e da situação bastante peculiar que ela vive com o amante, é ela quem tem as rédeas da situação. Ela é super consciente e segue seu caminho da forma como entende melhor. É quase uma revolução feminina num livrinho meio triste, meio poético e muito forte.
Ainda que a história tenha chocado um pouco, até porque é autobiográfico e o povo adora uma fofoquinha com caráter sexualizado, né, a verdade é que o texto da Marguerite é super envolvente e deixa a gente pensando por muito tempo depois de acabar.
Acho importante pensar que o quão autobiográfico é o livro, nunca saberemos, porque Marguerite o escreveu com 70 anos, e esse lapso entre os fatos e a escrita certamente acrescentou aquelas nuvens de fumaça e alterações em suas memórias, além de doses cavalares de um talento lapidado em uma vida profissional de riquíssimas produções e que puderam fazê-la contar a história como achou mais interessante.
Mas fato é que os pais de Marguerite realmente foram para o Vietnã como professores e ela viveu no país até os 18 anos, onde realmente teve um romance que baseia o livro. Com uma enorme delicadeza, ela fala de descoberta sexual, relações familiares complexas, limites ou a falta deles. É lindo.
Mas eu acho ainda mais incrível o tanto de informação sobre o Vietnã que Marguerite Duras consegue nos dar em O Amante. Quem quiser, consegue cavucar muito mais a partir dali.
As paisagens do sul do Vietnã e de Saigon (atual Ho Chi Mihn), vestimentas, costumes, tudo é um retrato de uma época e há mais nas entrelinhas.
As “missões civilizatórias” das quais os pais de Marguerite fizeram parte, enviavam professores com o objetivo de impor o ótimo sistema educacional francês no país. Curiosamente, o analfabetismo durante o período colonial subiu de 10 para 70% e toda a educação se desestruturou de forma quase irremediável com a imposição da língua francesa sobre a língua e dialetos locais e a urbanização desenfreada.
A história dos pais da protagonista não traz essas informações, mas é, paradoxalmente, uma história de fracasso numa vila longíqua e precária onde o pai morre, a mãe é ludibriada e perde o dinheiro, o irmão se perde entre drogas e vícios, enfim, coitados, esses colonizadores não deram certo, apesar da pompa inerente à sua posição de franceses.
Tudo se passa antes da segunda guerra, ou seja, antes da França, envolvida demais nos conflitos, perder força no Vietnã e abrir espaço para os nacionalistas que queriam a independência iniciarem disputas pela libertação.
Esses conflitos, anos mais à frente, culminam com o envolvimento norte americano e na famigerada guerra que, no Vietnã, é chamada de “Guerra Americana”, como deve ser. Mas também poderia muito bem se chamar “Guerra Legado da Colonização”.
Também é curioso que O amante seja um rico comerciante chinês. Talvez você não saiba, mas desde aquela época os chineses já eram tão empreendedores e discriminados quanto hoje. O personagem ocupa um lugar elevado na sociedade enquanto jovem rico, mas também é um marginal. Pode ser fruto da minha imaginação, afinal isso não está no texto, mas acho essa informação relevante para entender a dinâmica entre ele e a garota.
Já deu para notar que existem várias inversões nessa história? A francesa colonizadora não é rica, o amante é rico, mas não é vietnamita nem francês… mas a cereja do bolo é realmente o fato de que a menina não é uma donzela fragilizada (embora desamparada).
Ela sabe que é usada, mas sabe usar muito bem essa posição em benefício próprio. Sabe que está agindo em desacordo com o socialmente imposto, mas é ela quem define qual o seu lugar, subvertendo as regras com gosto.
Acho uma história bem interessante para ter um panorama dessa época colonial, pouquíssimo relatada em livros sobre o Vietnã.
Ru – Kim Thùy
Pulando do período colonial para o pós “guerra americana”, a história contada em Ru por Kim Thùy é outra fonte de informações para visualizar além das imagens que os muitos filmes de guerra enfiaram em nossa mente.
Conhecemos durante a leitura a história da família da protagonista, que é obrigada a fugir do país quando os comunistas tomam o poder após a derrota dos EUA e que é baseada no que aconteceu de fato com a família da autora.
O livro nos ensina muito sobre como era a vida dos vietnamitas que viviam em Saigon, a capital do Vietnã do Sul antes e durante a guerra (o país foi dividido por políticos que queriam manter a influência francesa e monárquica mesmo com o avanço dos comunistas pelo Norte) e o que acontece quando a guerra acaba e eles são forçados a encarar um grupo de pessoas extremamente marcadas pelas sequelas de colonialismo, extremismo, ruralismo, guerra na selva. Para estas pessoas, os privilégios dos sulistas que jogavam tênis e viviam em mansões era um crime.
Nos é apresentada uma visão muito diferente do nosso imaginário, e nos mostra que mesmo quando as guerras acabam os tempos de paz demoram muito para chegar. A maior migração do Vietnã aconteceu após o término da guerra e não durante, você sabia? Eu, não.
Foi a partir dessa leitura que entendi melhor como a guerra afetou a vida no Vietnã, sem pensar no conflito em si ou no contexto mundial, mas como a vida de milhares de pessoas mudou para sempre.
É um livro fragmentado, de memórias, familiar, mas também é um livro cheio de geopolítica e crítica social. Somos apresentados ao papel dos chineses na sociedade vietnamita, numa conexão curiosa com O Amante da Marguerite Duras e também qual é a conexão dos refugiados vietnamitas nos países que os receberam, no caso da autora, o Canadá.
Acho que esse livro desperta um interesse maior pela história do país e por escritores vietnamitas. A partir do ponto de vista da obra, vale a pena entender melhor o que aconteceu depois que a França deixou o Vietnã, como as forças internas que buscavam o poder se enfrentaram e como a Revolução Comunista Chinesa acabou influenciando – de forma positiva e negativa, como tudo na vida – os acontecimentos no Vietnã.
Nessa pesquisa você deve chegar à Ho Chi Minh, o líder do movimento nacionalista. Vale a pena ir mais à fundo e entender como ele se tornou essa figura. Tem uma ligação lá com as missões civilizatórias, que levaram também vietnamitas para estudar nas grandes universidades francesas onde, pasmem, eles aprenderam a não se conformar e lutar, exatamente como os franceses adoram… Rá-Rá!
Bem, fiz um videozinho sobre esse livro que eu amo. Quem quiser ver, Vietnã pós-guerra.
Sobre a Terra Somos Belos por um Instante – Ocean Vuong
Ainda navegando pelas águas das vidas transformadas pela guerra, Sobre a Terra Somos Belos por um Instante, embora não seja um livro sobre o Vietnã, acaba de certa forma sendo também.
O autor é um grande talento contemporâneo entre escritores vietnamitas e baseia não apenas esse romance, mas também suas maravilhosas poesias na própria biografia.
A mãe de Ocean é filha de uma vietnamita com um soldado americano e, como aconteceu com milhares de crianças nascidas de relacionamentos desse tipo que obviamente aconteceram durante a guerra americana, se transforma numa pária, um símbolo da “amizade” com o inimigo.
A maioria dessas crianças cresceu sem os pais, que foram mortos ou voltaram aos EUA e nunca mais apareceram. Muitos foram para a América em programas sociais e parte destes foi viver com os pais ou outros familiares. Na América, simbolizam a mesma coisa, com a diferença de que ainda são um lembrete da vergonhosa derrota.
O livro é narrado como uma carta à mãe do personagem principal, escrita com crueza e sinceridade somente possíveis porque ele sabe que a mãe, semianalfabeta, não será capaz de ler.
É curto, mas de uma sensibilidade assustadora. Fala desse não lugar do imigrante, de discriminação, de dor, mas também de sexualidade, de homoafetividade e da complexidade da instituição familiar diante do drama de seus elementos.
É um livro atual, que nos traz para os vietnamitas de hoje sentindo reflexos do passado. Lindíssimo.
O Simpatizante – Viet Thanh Nguyen
Completando a lista de romances com esse clássico. O Simpatizante de Viet Thanh Nguyen foi o primeiro livro de um escritor vietnamita a ganhar um prêmio Pulitzer, feito alcançado em 2016.
No enredo, o protagonista é um agente duplo comunista que se infiltra no Vietnã do Sul durante a famigerada guerra. Quanto esta acaba, ele foge com tantos outros perdedores para os EUA e vai viver em Los Angeles.
É a partir da observação da vida dos refugiados que nos EUA são confundidos com chineses, veja só, que as muitas contradições do personagem se desenrolam.
Em O Simpatizante de Viet Thanh Nguyen tem um pouco de tudo dos outros, mas com um destrinchar maior dos extremismos políticos numa prosa bem envolvente e muito inteligente.
Eu amei esse livro porque nos faz enxergar melhor alguns pormenores da guerra que são importantes para entendermos a narrativa que chegou até nós. Uma das maiores sacadas do autor é, inclusive, mostrar abertamente como essa é uma das poucas guerras em que o perdedor contou a história da guerra como quis e se colocando no papel de sofredor, apagando por completo a história da população local. Se você sabe pouco sobre o Vietnã, acredite, não é por acaso.
Recentemente o livro virou série, que por sua vez está super hypada, mas recomendo demais ler o texto primeiro, porque a sagacidade da prosa é difícil de transferir para a tela, embora as críticas – tanto as diretas quanto às mais sutis – estejam sendo bastante exploradas em vídeo.
É mais um daqueles casos de leitura que fazem a gente querer saber mais sobre o país.
Livros sobre o Vietnã para quem vai visitar o país
Você já conhece um pouco de literatura vietnamita e tem dicas de romances como O Amante de Marguerite Duras para viajar um pouco pela vida de personagens ligados ao Vietnã, mas vou deixar também essas dicas de livros que são um pouco de guia de viagens e registros sobre a história do Vietnã para quem está planejando uma viagem para lá.
Aproveita e já pega aqui dicas do Vietnã e da gastronomia vietnamita.
Vietnã pós-guerra – Viagens radicais: Uma aventura no Sudeste Asiático
Um dos livros mais úteis para qualquer viajante, pode anotar.
Airton Ortiz é um jornalista-viajante-escritor-aventureiro com vários livros publicados sobre vários lugares do mundo. Neste aqui ele faz um relato de uma viagem pelo sudeste asiático – Vietnã, Laos, Camboja e Tailândia -, mas como o próprio nome diz, o enfoque está no primeiro.
Ele conta detalhes de sua viagem e até dá uma ideia de roteiro. Alguns pontos podem estar um pouco datados (acho que a viagem foi já há algum tempo), mas continua sendo uma delícia de leitura e uma fonte incrível de informações para viajantes.
O grande mérito desse livro é a forma como Airton conseguiu sintetizar vários pontos relevantes da história do Vietnã com uma linguagem super acessível. Quem tiver interesse pode se aprofundar, mas somente com as informações trazidas por Airton você já vai se situar muito melhor no tempo e espaço da história das cidades e espaços visitados.
Li Vietnã pós-guerra depois da minha viagem e senti que minha experiência foi transformada e muito enriquecida. Nem imagino como poderia ter sido ainda mais interessante se a leitura fosse antes da viagem. Ó, tá planejando a sua viagem? Faça essa leitura. É sério.
Vietnã: A Moto e o Viajante
Em Vietnã: a Moto e o VIajante, o autor André Silva relata sua viagem de moto pelo país, contando como foi sua experiência.
Acho uma leitura interessante para quem pretende viajar de moto porque traz dicas úteis e uma ideia de roteiro.
Porém, quero ressaltar com ênfase, que acho que viajar de moto no Vietnã é perigoso e só deve se aventurar quem já tem alguma experiência em viagens sobre 2 rodas.
Lá no Vietnã absolutamente todo mundo tem uma moto e é comum que pessoas que nunca pilotaram uma motocicleta na vida sejam incentivadas e se sintam confiantes para explorar o país assim.
Porém, o trânsito é caótico e possui regras próprias que são desafiantes até para motoristas experientes. De fato, pode ser mais tranquilo nas estradas menos movimentadas, especialmente no norte, mas ainda assim, o viajante deve ser muito cuidadoso por si e pelos outros.
Pense que carteiras de motoristas raramente são solicitadas e existem todo tipo de pessoas dirigindo por ai: de crianças à jovens estrangeiros que nunca fariam isso em seus próprios países. As motos também não costumam estar super bem preservadas e capacetes só serão entregues se você solicitar e der sorte de terem.
Não faça esse tipo de viagem sem seguro viagem. Você não vai querer ficar sem atendimento médico adequado, pode acreditar em mim.
Guerra do Vietnã – História e Curiosidades e A segunda queda: O fim do império colonial francês na Indochina, 1950-1954 (e o começo da era americana no Vietnã)
Bem, para quem quer mergulhar na parte histórica com mais detalhes antes de qualquer viagem, ficam essas duas últimas dicas.
A primeira (Guerra do Vietnã – História e Curiosidades) é bem focada na Guerra do Vietnã, como o próprio nome diz, e a segunda (A Segunda Queda: o fim o Império francês na Indochina) tem um enfoque no período que a antecede, com a queda da França logo após a segunda guerra mundial.
Para quem gosta de estudar e quer entender a relação de vários fatos históricos importantes com o Vietnã atual, são ótimas opções.
É isso, vai dar para você curtir, né? Boas leituras!
Curtiu esse post? Então compartilha!