Gastronomia Vietnamita – Uma Aula de Culinária em Hoi An
A Gastronomia Vietnamita é incrivelmente rica e surpreende numa viagem pelo Vietnã, que não estará completa sem você experimentar bastante! Aqui conto como foi fazer uma aula de culinária vietnamita na maravilhosa cidade de Hoi An e já dando spoilers, foi INCRÍVEL! Vem junto!
Hoi An, a cidade mais linda do Vietnã e a época de chuvas
Há alguns anos minhas amigas Amanda e Marina fizeram uma viagem para o Vietnã e entre dicas de um ótimo spa para massagem (que não fiz) e de um ótimo lugar para mandar fazer roupas incríveis (que também não mandei fazer), havia uma dica que segundo elas era im-per-dí-vel: uma aula de gastronomia vietnamita.
Eu detesto cozinhar. De todas as indicações maravilhosas que elas me deram e que ajudaram a montar meu roteiro no Vietnã, essa da aula de culinária era a que eu menos tinha interesse em seguir.
Em outras circunstâncias eu teria, sim, mandado fazer roupas nas famosas costureiras de Hoi An e com imensa alegria teria passado uma tarde inteira no spa. Mas num ano sabático, a gente tende a economizar em alguns prazeres como as massagens e a mala leva apenas o que é essencial.
Acontece que planejei passar uma semana inteira em Hoi An para aproveitar com calma tudo que a cidade oferece: o centro histórico, os arrozais, a praia, e até a piscina do hotel, já que no Vietnã a hospedagem é baratíssima e permite esses luxos mesmo para viajantes econômicos.
Só que choveu o tempo. O tempo todo. Não uma chuvinha de boa, uma chuva torrencial.
Choveu tanto que a cidade alagou. Nosso hotel alagou. A piscina foi ficando marrom enquanto assistíamos da nossa janela no segundo andar. Para chegar à área onde era servido o café da manhã, tínhamos que andar com água pelas canelas. Cena de filme.
Em algumas poucas horas de estiagem, corríamos para aproveitar o que dava. Um dia tivemos a ousadia de ir à praia pelo menos para ver como era. Vários tons de cinza entre o céu carregado de nuvens e o mar revoltadíssimo davam o clima apocalíptico daqueles dias.
Hoi An é cortada pelo rio Thu Bon, também conhecido como “mãe-rio” porque é o responsável pela abundância da cidade: em comida, em trajetos fluviais, em beleza.
A gente vai até Hoi An conhecer os bairros que colorem suas margens, para ver as lanternas acesas durante à noite e postas para correr por suas águas, para deslizar em um dos seus barcos.
Mas às vezes a mãe-rio é tão abundante que transborda.
Na verdade não é tão às vezes assim. A cidade tem bem marcadas às épocas da chuva e seca, do rio cheio e rio baixo. Mas eu não sabia. Dediquei todo esse tempo à cidade que todos consideravam essencial no roteiro elo Vietnã sem saber que outubro era o pico da chuva, da cheia, das águas que brotam de todos os lados.
Mas me dando um desconto no erro de planejamento, naquele ano específico a coisa estava descomunal. Já era considerada a segunda maior enchente dos últimos 50 anos e a marca das águas daquela semana estavam prestes a alcançar a da maior cheia de todos os tempos.
Se nem a bebida salva, bora cozinhar! (Se Programe e Não Perca a Aula de Culinária Vietnamita!)
Enquanto chovia nós saíamos pra comer e beber, às vezes vestidos da cabeça aos pés com roupas impermeáveis. Mesmo debaixo d’água descobrimos lugares incríveis, que ficam para outra conversa.
Numa tarde de tédio, decidimos tomar um porre no bar ao lado do hotel. Como todos os outros clientes que enchiam o bar dia e noite, investimos na Bia Beer que custava algo como cinquenta centavos o copo.
É uma cerveja artesanal típica do Vietnã do tipo “fresh beer”, o que significa que não fermenta por tanto tempo e fica bem fraquinha. Descobrimos seu baixíssimo teor alcoólico quando, já de noite, depois de copos e mais copos, concluímos chocados que ainda estávamos bastante sóbrios.
Então, já que nem loucuras etílicas estava dando para fazer, pensei que talvez a gente pudesse fazer aquela aula de culinária que a Amanda recomendou…
O Gabriel ficou meio reticente. Apesar dele ser o cozinheiro dessa dupla, ele sabe como eu lido com a cozinha – mal – e também estava meio horrorizado com algumas questões de higiene e preparo que a gente já tinha visto por lá.
Mas ele topa tudo e de certa forma a chuva nos deu sorte, porque só tinha vagas para a aula do dia seguinte em razão de dois clientes não terem conseguido chegar na cidade por causa da enchente. Se não fosse isso, só teria vagas para o próximo mês!
Essa que estou recomendando está sempre lotada. É por isso que sugiro que se programe com antecedência se realmente quiser fazer a aula de gastronomia vietnamita.
Quando estiver montando seu roteiro de viagem para o Vietnã, que certamente não ficará sem Hoi An, separe um dia para essa atividade e já deixe reservada, especialmente se seu roteiro não for flexível ou se tiver poucos dias na cidade.
A Amanda escreveu esse post com dicas do Vietnã aqui no blog que tem ilustrações lindíssimas da Marina, e ela fala da aula com todo o carinho, “sem dar detalhes para não estragar a experiência” de quem vai seguir a dica.
Mas eu vou dar detalhes. Não para estragar prazeres, mas, bem pelo contrário, para que você não tenha dúvidas de que deve fazer essa aula na sua viagem. Será uma experiência inesquecível, mesmo que você saiba um pouco como vai ser. Eu juro.
Aula de Gastronomia Vietnamita em Hoi An – Green Bamboo Cooking
Essa aula que estou mencionando é a Green Bamboo Cooking e você pode contatar a proprietária Van pelo whatsapp +84 905815600. Ela responde sempre no fim do dia, depois da aula, que custa cerca de USD 45 por pessoa e aceita até crianças.
Existem outras aulas de culinária lá em Hoi An que são bem recomendadas, mas foi essa que eu fiz e ela foi tão diferente de outras coisas que já vi, que tenho convicção para te dizer que você tem que ir nessa aqui mesmo.
A Van é uma pessoa iluminada. Tem gente que sabe cozinhar, tem gente que sabe ensinar. E tem um seleto grupo de pessoas que é bom com as duas coisas, o grupo em que a Van se encaixa.
Além de boa cozinheira e de conhecer muito bem os segredos dos ingredientes e preparos da gastronomia vietnamita, ela tem um método gostoso de ensinar e uma paciência infinita.
A aula começa por volta das 9h da manhã e termina lá pelas 3h da tarde, ou seja, vai ocupar um dia inteiro do seu roteiro. A Van guia o grupo de 8 a 12 pessoas pelo mercado de Hoi An, nos acomoda na sua casa e lá nos mostra MUITAS possibilidades da gastronomia vietnamita.
É tanta riqueza que te recomendo fortemente que você nem tome café da manhã. Vá de barriga vazia e coração aberto porque será uma viagem dentro da sua viagem. Um ápice. Prometo.
Bom, tudo começa quando você se inscreve para a aula e recebe uma lista enorme de receitas que dão um vislumbre dos inúmeros pratos possíveis na culinária vietnamita. São quase 70 opções, das quais 20 são vegetarianas. Daquela lista, você escolhe uma para preparar e indica antecipadamente para a Van. Nenhum participante repete prato.
Essa é uma das particularidades da aula pensada pela Van e que eu achei muito, mas muito bacana mesmo. Cada pessoa prepara um prato do começo ao fim e os demais assistem bebericando e conversando. Quando o prato fica pronto todos provam.
É uma ótima forma de organização, porque todos participam ativamente pelo menos um pouco, mas sem bagunça, sempre com o apoio e explicações da Van, que não precisa dividir sua atenção entre várias ações ao mesmo tempo.
Sem falar que ela coordena o tempo das coisas com maestria, apesar das inúmeras opções de cardápio que varia totalmente em cada aula.
Fica um clima meio festivo, todo mundo papeando, se divertindo, como um almoço com amigos, que ao final, todos se tornaram mesmo.
Algumas opções da lista parecem super simples, mas não se engane, tudo tem uma particularidade da gastronomia vietnamita, como a autêntica “papaya salad“, que é feita com mamão verde e é super picante ou o “cau lau“, que em Hoi An leva um tipo especial de macarrão no caldo.
Bom, a lista já me aterrorizou porque como cozinheira de meia tigela que sou, além de ter que achar algo fácil para não pagar mico nem me estressar, eu tinha que achar algo vegetariano, pois eu não suporto mexer em carne/peixe/frango crus – apesar de comê-los.
Eu seria vegetariana se cozinhasse, não gosto nem de ver as carnes. Sem falar na quantidade assustadora de pratos com camarão, que eu não gosto nem cru nem cozido.
Acabei optando por um rolinho primavera vegetariano. O Gabriel escolheu uma lula recheada. Achei ousado. Mas ele tem a confiança de um cozinheiro de mão cheia – que é mesmo.
No dia da aula a Van busca cada um no seu hotel e seguimos para a compra dos ingredientes no mercado público.
Ao chegarmos no mercado a Van me avisou que mais uma pessoa tinha escolhido o rolinho primavera e perguntou se eu topava mudar minha escolha. Topei na hora e escolhi a sopa de legumes.
Ela me olhou sem entender nada, mas sorri satisfeitíssima. Achei desnecessário explicar que minha intenção era apenas curtir o dia e que eu buscava as coisas mais fáceis de fazer e menos traumáticas para mim.
Só tinha escolhido o rolinho porque tinha achado vergonhoso escolher a sopa, cujo preparo devia ser a maior moleza da lista inteira, mas agora que eu tinha essa opção, seria ela mesma com orgulho. Rá-Rá.
A Van se contentou com meu sorriso, até porque os caldos e sopas fazem parte de todas as refeições vietnamitas, então não deve ter soado tããão estranho assim. Mas acho que pressentindo minha vontade de escapar, ela me encarregou de escolher, comprar e levar todos os legumes, de todas as receitas. Fiz. Vacilante nas escolhas, mas fiz.
O mercado, como boa parte da cidade, estava alagado. Todas as compras foram feitas andando num pouco de água e uma parte foi feita na rua mesmo porque alguns vendedores tinham se instalado onde dava pelo lado de fora.
A Van avisou que quase cancelou essa parte da aula, mas no fim achou que essa era a realidade da cidade e estávamos ali para viver toda a experiência. Foram cenas surreais que nem eu nem qualquer dos outros gringos jamais vai esquecer.
E que me levaram a refletir que quando fazemos aqueles passeios aos mercados comuns e “mercados flutuantes” típicos da Ásia vamos completamente desconectados dessa vida diária, e não conseguimos absorver bem o que estamos vendo. Amei fazer as compras com o olhar de uma pessoa que realmente compra ali sempre.
Bem, nós já tínhamos passeado o suficiente pelos mercados vietnamitas de outras cidades para evitar a área de carnes. O Ga na verdade estava evitando comer carne depois de ver o manuseio – nas mesas de corte, no chão, a céu aberto etc – em Ho Chi Minh. Eu achava exagero porque sempre ouvi dizer que depois de cozido dá tudo certo, mas ele achava que podíamos morrer com alguma intoxicação e estava quase vegano.
Na nossa aula de gastronomia vietnamita as compras começaram pelos legumes e ervas, sempre com a Van explicando as particularidades. Mas na sequência fomos ao setor de carnes e lá ficamos por um tempão porque várias receitas escolhidas levavam carne e não era um supermercado com tudo já meio cortado e embalado num setor gelado.
Ficamos esperando aquelas mulheres – tão pequenas e aparentemente frágeis – picarem com uma força descomunal peças imensas de bois, porcos, cordeiros e frangos com cutelos gigantes e assustadores.
A Van fiscalizava tudo com olhos de lince, o que garantia que mesmo parecendo um pouco fora dos padrões, aquilo ali era ok pra comermos.
Eu achei que ia passar mal, mas aguentei firme com minha sacolinha de legumes, me acalmando cheirando e alisando um coentro. Mas se você não for tão dramática(o), vai dar tudo certo. Rá-Rá!
Por fim embarcamos numa van para a casa da Van, onde todos recebemos um avental e fomos acomodados em volta de uma grande ilha com o fogão no centro.
A Van foi apresentando os pratos que tinham sido escolhidos naquele dia enquanto as assistentes iam lavando/limpando as compras e distribuindo os ingredientes na ilha.
Quando estava tudo pronto para começar, a Van declarou que primeiro faríamos juntos toda a mis-en-place e começou perguntando quem ajudaria a limpar os camarões. Gelei. Depois de escolher tão cuidadosamente meu prato, não poderia sofrer esse golpe. Nada no mundo me faria limpar camarões.
Fiquei caladíssima e imóvel porque minha sinceridade facial nesses momentos já me fez cair em muitas ciladas. As pessoas sempre acham que podem me fazer mudar de ideia, sem saber que isso me dá ainda mais determinação em manter o estoicismo.
Graças à Deus os donos das receitas de camarão e dos demais bichos se comprometeram com suas escolhas e se ajudaram mutuamente. Eu me comprometi com meus legumes e os da amiga do rolinho primavera, mas por precaução descasquei e piquei com tanto cuidado que demorei o suficiente para dar tempo dos outros terminarem suas partes. Não me julgue agora, expliquei desde o começo que não sou chegada nas artes culinárias…
E então a diversão acontece. Um a um, todos são chamados para cozinhar seu prato no centro da ilha. Com hachis. Sim, você leu bem, tudinho é cozinhado com palitos gigantes, um desafio adicional que nenhum de nós esperava. Foi um auê tamanha inabilidade geral que, pela carinha risonha da Van, deve diverti-la diária e propositalmente.
Tem toda uma ordem conforme o tempo de duração do cozimento, às vezes um começa um prato e enquanto ele fica cozinhando na panela – ou na brasa, no nosso dia tinha até churrasco – outro prato vai sendo feito.
A quantidade preparada é a suficiente para todos do grupo comerem uma porção. Assim, vamos desfrutando de um banquete inigualável da gastronomia vietnamita, que não é elaborado propositalmente, mas que de uma forma mágica combina perfeitamente e nos deixa com uma sensação de que somos muito especiais por participar daquilo.
Tive que concordar com minha amiga Amanda. É uma experiência imperdível.
Minha sopa era simplérrima, apesar de incluir vários temperinhos como tudo na gastronomia vietnamita. Era basicamente legumes e cogumelos picados, cozidos na água e servida quente com alguns “extras” como um bouquet de ervas e uma porção de macarrão de arroz pronto. Por isso passei com louvor na minha prova.
Mas tinha seus truques de sabor, que ficou completamente diferente do que eu imaginei (na minha cabeça, seria tipo um caldo de canja, mas sem frango e na realidade ficou mais azedinho e picante).
A Van adicionou ao caldo alguns tamarindos espremidos que, acho que para me perturbar, ela ofereceu antes para que eu chupasse. Eu ri e falei que não porque era muito amargo.
Ela riu que não me pegou na brincadeira, mas numa demonstração de que a ideia era apenas experimentar novos sabores, ela mesma chupou, fazendo uma careta e rindo. Os gringos foram atrás, coitados…
Mas tudo era festa, até eu estava me divertindo e acabei ajudando a enrolar os rolinhos e pensando, feliz, que ainda bem que me fizeram mudar pra sopa, porque os rolinhos davam muito trabalho, ainda mais na hora de fritar.
Já o Gabriel fez uma lula inesquecível. Penou com os palitos porque a lula é mega escorregadia, mas recebeu muitos aplausos.
No fim do dia recebemos um livro de receitas e embarcamos para a volta ao ponto de encontro, em êxtase. Comemos muito mais do que deveríamos. Rimos demais, conhecemos pessoas maravilhosas, suamos no calor das panelas para completar com nosso esforço a aguaceira que vinha dos céus.
Os pratos, antes estranhos e às vezes sem graça para o meu paladar, se tornaram iguarias, delícias cujo preparo eu provavelmente nunca repetirei (apesar de ter ganhando um incentivador par de hachis gigantes para levar para casa), mas que conhecer e guardar no coração me fizeram aproveitar as próximas refeições de outra forma.
Viajamos mais 2 semanas pelo Vietnã. Sentimos que passamos a comer como reis todos os dias depois da aula. Claro que comemos bem antes também, mas a consciência sobre isso mudou.
Passamos a apreciar os detalhes e as nuances de sabor da gastronomia vietnamita, além de reconhecermos o trabalho de quem cozinhava, mesmo nos pratos que pareciam tão simples e que em muitos casos eram realmente complexos e cheios de segredos.
Eu curti tanto a experiência, que alguns meses depois me atrevi a fazer outra aula de culinária em Udaipur, na Índia e conto tudo nesse post.
Recomendo a TODOS que vão à Hoi An, quer gostem ou não de cozinhar, que vivam essa experiência com a Van. Foi, sem dúvida, um dos pontos altos de toda a minha viagem pelo Vietnã!
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