Elizabeth Hawley – A Historiadora de Quem Chegou no Topo do Everest
Elizabeth Hawley ou melhor dizendo, Miss Elizabeth Hawley, é a historiadora do Banco de Dados do Himalaia, a cadeia de montanhas onde fica o pico do Everest. Se você quer saber quem chegou no topo do Everest ou de qualquer das altas montanhas da região, só tem um jeito de saber: consultando os registros dela. Vem conhecer a história dessa figura que se mescla com a própria história do topo do Everest e do montanhismo!
Miss Elizabeth Hawley – Jornalista, Historiadora e Rainha Absoluta do Banco de Dados Do Himalaia
Para todos aqueles que sonham em escalar as altas montanhas do Himalaia e, especialmente, para todos aqueles que querem chegar ao topo do Everest, a montanha mais alta do mundo, é essencial conhecer a vida dessa mulher.
Na verdade, até 2018, quando ela faleceu aos 94 anos, o encontro com Miss Elizabeth Hawley era almejado com ansiedade, afinal, as entrevistas pré e pós escalada eram condições para reconhecimento geral do cume alcançado. Mas explico melhor abaixo, antes deixa eu te apresentar para essa lenda do montanhismo.
Elizabeth nasceu em Chicago nos anos 20 e se formou em História pela famosa Universidade do Michigan. Depois de formada na segunda metade dos anos 40, se mudou para New York e passou a trabalhar como colunista da revista Fortune.
Mas NY era pouco para ela. Em 57 ela decidiu dar um tempo na carreira e viajar o mundo até seu dinheiro acabar, período que durou 2 anos.
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Apesar de não ser por isso que Miss Elizabeth Hawley ficou conhecida, já começa aqui minha grande admiração por ela. Pegou sua malinha e saiu pelo leste da Europa, Oriente Médio e Sudeste Asiático, sozinha, levada pelo vento.
Ela tinha vontade de conhecer o Nepal desde que leu um artigo sobre os primeiros turistas que chegaram ao país, alguns anos antes, e aportou em Kathmandu em 59.
Seu tempo na Fortune abriu portas para que Elizabeth escrevesse alguns artigos durante a viagem e ao passar pela Índia e informar que pretendia visitar o Nepal, recebeu o convite do jornal “Time Life Delhi” para escrever um artigo sobre a situação política nepalesa, que se via numa fase de enorme transformação. Estava sendo promulgada a primeira constituição parlamentar, que abria as portas para uma nova forma de governo mais democrática.
E foi assim que ela se apaixonou pelo país (quem passou por lá entende esse crush), decidiu voltar em 1960, comprou um apartamento e um fusca azul (o Nepal é um país muuuito barato e imagino que fosse assim também à época) e por lá ficou para o resto da vida, inclusive no mesmo apartamento e com o mesmo fuquinha, sua marca registrada.
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Lá em Kathmandu Elizabeth Hawley se estabeleceu como correspondente de agências como a Time-Life e a Reuters e, ao mesmo tempo, se envolveu com outra transformação que acontecia no país, o surgimento do montanhismo himalaio.
As montanhas da cadeia do Himalaia começavam a se tornar conhecidas e desejadas por montanhistas – de outras partes do mundo porque os sherpas, nativos da região, já estavam carecas de conhecê-las – gerando uma demanda jornalística que ela soube bem ocupar.
Apenas 7 anos antes, em 1953, o sherpa Tenzing Norway havia chegado com o alpinista neozelandês Edmund Hillary pela primeira vez ao topo do Everest e a notícia se espalhava, atraindo outros escaladores de alta montanha. Na época, não tinha ponte, não tinha aeroporto e o desafio de simplesmente chegar ao Everest era imenso, o que engrandecia ainda mais a conquista.
Nos anos seguintes à chegada ao pico do Everest Hillary escalou outras 10 montanhas do Himalaia, fundou e passou a se dedicar à Himalaia Trust Foundation, que tinha como objetivo melhorar a vida dos sherpas, construindo escolas, postos médicos, pontes e também o lendário aeroporto de Lukla, pelo qual todos os montanhistas (e atrevidos como eu) chegam ao Everest.
Ah, e não deixe de pegar todas as dicas de Kathmandu, sua parada obrigatória no Nepal antes do trekking!
Pois bem, e o que isso tem a ver com a Miss Elizabeth Hawley? Tudo. Ao se estabelecer em Kathmandu, Elizabeth ficou amiga de Hillary, trabalhou na fundação e se envolveu cada dia mais com os grupos de montanhismo.
Ela foi muito além do viés jornalístico e decidiu iniciar uma catalogação de quem escalava e de quem alcançava os cumes, especialmente o topo do Everest.
E foi assim, sem nunca ter escalado montanha nenhuma e provavelmente feito poucos trekkings na vida, que Elizabeth Hawley iniciou um dos mais importantes registros históricos do montanhismo, o Banco de Dados do Himalaia ou Himalayan Database, que ela alimentou até seu falecimento e que hoje continua pelas mãos de outra mulher maravilhosa, sua assistente Billi Bierling e equipe. Veja aqui essa interessante entrevista em que Billi conta as mudanças no processo.
O Banco de Dados do Himalaia – Himalayan Database
A partir de 1963, então, Elizabeth catalogou todas as expedições aos himalaias, incluindo as escaladas que se iniciavam no Tibet. Para quem não sabe onde fica o topo do Everest, ele está ali, na divida entre Nepal e Tibet e pode ser escalado por qualquer um dos 2 países, considerados como Face Sul e Face Norte, respectivamente.
A maioria dos picos himalaios são acessíveis pelo Nepal, pelo Tibet e alguns pela Índia, pelo Paquistão e pelo Butão.
O que tornou esse trabalho tão relevante não foi apenas o registro, mas a forma. Lembra que Elizabeth Hawley era formada em história? Pois então, ela tinha plena consciência da importância do detalhamento dos registros e desenvolveu um método muito preciso.
Como o governo do Nepal exige o registro de todas as expedições de escalada, Elizabeth entrava em contato com cada agência de expedição no começo de cada temporada e pedia informações sobre os alpinistas que fariam escaladas às grandes montanhas.
Aqui cabe uma observação. Embora atualmente aconteçam algumas expedições em outras épocas, em regra há apenas 2 temporadas de expedição pelos Himalaias.
Uma na primavera entre abril e maio, que é a mais movimentada porque em geral apresenta as melhores condições climáticas para o ataque ao cume e outra no outono, entre setembro e outubro. Assim, são evitados os riscos excessivos do verão chuvoso e do inverno rigoroso, afinal, já é frio pra burro por lá.
Com as informações recebidas das agências, Elizabeth Hawley fazia uma entrevista no lobby do hotel dos alpinistas antes da subida, registrando seus dados pessoais e plano de escalada. Quando voltavam, fazia outra entrevista, para saber os detalhes, se os planos foram mantidos ou alterados, dificuldades, se chegaram ao cume ou não, e tudo o mais que fosse relevante. As entrevistas rendiam o registro e matérias.
Com o tempo, as próprias agências estabeleceram a rotina de entrevistas, que passaram a ser realizadas também no apartamento de Elizabeth e, com o avanço das tecnologias, passaram a envolver fotos e vídeos do topo do Everest e demais montanhas.
Esse registro passou não apenas a ser um relato histórico, mas também uma confirmação da conquista dos cumes. Pelas fotos e vídeos Elizabeth e sua equipe confirmavam quem tinha realmente conseguido chegar ao topo do Everest, comparando as imagens e posições das demais montanhas para atestar o cume.
Porque o ser humano é assim, né? Sente um desejo tão maluco de se sobrepor à força da natureza e conquistar as montanhas mais altas do mundo que chega ao ponto de mentir que conseguiu. Ou de simplesmente dizer sem comprovar. E se não comprova, não entra pro registro do Banco de Dados do Himalaia.
Há uma brasileira, só para citar um exemplo, que teve 2 cumes contestados pela equipe de Elizabeth Hawley, que declarou que não recebeu as imagens comprobatórias.
Só para esclarecer, ninguém diz que essas pessoas não escalaram, que ficaram na piscina e disseram que foram pras montanhas. Em geral há acompanhamento e informações das expedições durante todo o trajeto, porém muitas expedições precisam voltar ou cancelar o ataque a poucos metros da crista do cume e ai, mesmo que seja 30, 50 metrinhos de diferença, não vale.
O Monte Everest, por exemplo, tem um pequeno cume antes de chegar ao pico mesmo, chamado de cume sul, e há quem, por confusão ou esperteza, alegue que chegou ao cume ao chegar ali. Enfim, Miss Elizabeth sabe de tudo, não adianta.
Richard Salisburg foi quem ajudou a transformar todos os dados no Himalayan Database, o digitalizando e oficializando em 2004. Constam nos registros do Banco de Dados do Himalaia mais de 20.000 registros de escalada nos mais de 400 picos de montanhas nepalesas.
É por essa riqueza de informações e pela sua palavra final nas controvérsias que embora Elizabeth causasse um pouco de medo à alguns alpinistas, era muito respeitada pelos profissionais sérios e por todos aqueles que amam as montanhas do Nepal.
Miss Elizabeth Hawley escreveu alguns livros de crônicas sobre o Nepal, sendo o mais conhecido “I’ll call you in Kathmandu” e deixou toda sua biblioteca para o American Alpine Club, que mantém o banco de dados online e publica anualmente uma versão impressa.
Quem chegou no topo do Everest? Elizabeth responde!
Então, se você é curioso (ou competitivo) e quer saber quem chegou no topo do Everest desde a primeira subida oficialmente registrada até hoje, Miss Elizabeth Hawley responde!
Quer dizer, basta consultar o Banco de Dados do Himalaia e os registros cuidadosos de todos os escaladores que pisaram no pico do Everest bem como de todos aqueles que tentaram.
E entre os brasileiros, quem chegou ao topo do Everest? Nada menos que 25 brasileiros já conseguiram a façanha de chegar ao cume do Everest e ver o mundo do ponto mais alto da face da Terra.
Veja meu relato: quando uma molenga faz o trekking pro Everest!
Os primeiros deles foram Waldemar Niclevicz, que chegou ao cume pela primeira vez em 1995 e repetiu a dose em 2005; e Mozart Catão, que participou da mesma expedição em 1995.
Curiosamente, entre 95 e 2005 não teve nenhum outro brasileiro no pico do Everest e todas as demais conquistas aconteceram a partir de então, com poucos anos em que não houve nenhum cume.
A história desses brasileiros é sempre muito interessante, cheia de garra, superação e muita determinação para alcançar os objetivos. Todos passaram pela famosa entrevista com Elizabeth Hawley.
Entre os homens, me surpreendi com a trajetória do Rosier Alexandre, que é de pura força de vontade.
A partir daqui você vai saber de algumas curiosidades sobre quem chegou ao topo do Everest entre os brazucas.
Carlos Santalena foi o mais jovem brasileiro a alcançar o pico do Everest. Na primeira vez ele tinha 24 anos e depois disso já botou os pezinhos no topo do mundo 2 outras vezes.
Mas esse recorde foi quebrado por Ayesha Zangaro, que chegou ao topo aos 23 junto com o pai, Renato Zangaro, que, aos 60 anos, desbancou também o recorde de brasileiro mais velho a alcançar o cume, que era até então de Manoel Morgado, aos 57 anos.
E já que falei da Ayesha, vou entrar no grupo que realmente me enche de orgulho, o das brasileirAs. Afinal, se Elizabeth Hawley deu o toque feminino ao montanhismo nepalês, nada mais lindo do que ver essas mulheres alcançando o pico do Everest num ambiente tão masculinizado. Foram 5 as conquistadoras.
Veja também: Como ir para o Tibet Passo a Passo.
Mulheres Brasileiras que Alcançaram o Pico do Everest
A primeira brasileira a alcançar o cume do Everest foi Ana Bascarioli, em 2006. Ela é médica e tinha 40 anos quando teve essa grande realização.
Gosto de mencionar porque muita gente pensa que escalada é coisa de gente de 20 anos, cheio da vitalidade natural da idade, quando na verdade tem muito mais a ver com maturidade para a preparação e desafios. Ana também completou os 7 cumes, projeto do qual falo abaixo.
Depois dela, somente em 2010 o topo do Everest viu outra brasileira por lá. Foi Cleo Weidlich, que tenta completar o 14x8M, um projeto em que montanhistas tentam escalar o cume das 14 montanhas acima de 8000 metros do mundo.
Em 2013 foi a vez de ninguém menos que Karina Oliani, que fez esse primeiro cume pela Face Sul (Nepal) e o segundo em 2017 pela Face Norte (Tibet).
Como diz um amigo meu “pensa uma coisa impossível, a Karina já fez”. E é verdade. O currículo dela é cheio de conquistas e o pico do Everest é só uma delas. Vale demais acompanhá-la nas redes sociais porque além de projetos incríveis, ela tem promovido expedições para meros mortais como nós. Quem sabe não é sua chance de cair numa aventura?
Em 2016 foi a vez de Thaís Pegoraro, outra história surpreendente. Aos 36 anos, depois de ser demitida, terminar um noivado e ficar sem rumo, Thaís, que não era montanhista, resgatou um sonho de infância de chegar ao pico do Everest.
Ela não apenas iniciou o preparo e concluiu essa enorme conquista em pouco mais de um ano, como ainda resolveu concluir o 7 cumes, um projeto criado por montanhistas para chegar ao topo da montanha mais alta de cada um dos 7 continentes, que são: o Aconcágua na América do Sul, o Denali na América do Norte, o Kilimanjaro na África, o Elbrus na Europa, o Vinson na Antártica, o Carstenz na Oceania e o Everest na Ásia.
Somente 9 dos 25 brasileiros que chegaram ao topo do Everest completaram os 7 cumes, sendo que um deles, o Manoel Morgado, completou no “modo antigo” quando a montanha da Oceania era a Kosciuszko. Não sei dizer porque mudou porque é a maior complicação subir o Carstenz, mas essa é outra conversa.
Desses 9 que completaram o 7 cumes, 2 são mulheres (Ana e Thaís), apesar delas serem apenas 5 entre os 25 brasileiros que alcançaram o ponto mais alto do Everest. Percebe a fibra dessas minas? E não é só. Thaís completou o projeto em apenas 1 ano e 9 dias, recorde dos recordes entre homens e mulheres, pra alguém que nem era montanhista, talkei?
Bom, pra completar a lista de quem já chegou ao topo do Everest entre as mulheres, preciso falar da família Zangaro. A família, incluindo a mãe, Lysse, fez a trilha até o Campo Base do Everest (que nem eu, clica ai para saber tudo) e lá Ayesha, com 15 anos, se apaixonou pelo montanhismo e ouvir falar do projeto 7 cumes.
Voltou determinada a completar o projeto e sabe-se lá como, convenceu o pai também. Só não convenceu a mãe a subir os picos porque Lysse passava mal depois de certa altitude, mas ela ficou no campo base em todos os cumes deles, na organização e torcida.
O interessante do projeto 7 cumes é que as montanhas mais baixas ou mais “fáceis” são uma preparação para subir ao pico do Everest. Pai e filha já tinham subido 5 dos 7 quando encararam o Everest. Ayesha já estava sem forças nos metros finais de subida ao pico do Everest e o pai literalmente a empurrou até o pico. Tem coisa mais linda, literal e metaforicamente???
Falta apenas o Vison para eles completarem o projeto, estou na torcida para que consigam a grana necessária.
Em 2021 temos a chance de ver mais uma mulher no topo do Everest, Aretha Duarte. A Aretha tem uma origem simples e fez um projeto de reciclagem para arrecadar fundos para realizar esse sonho que por si só já é uma vitória. Ela catou e enviou para reciclagem toneladas de lixo.
Eu estou acompanhando cada passo dela pela cobertura do Extremos da temporada 2021, torcendo com a bandeirinha do Brasil na mão para que ela consiga chegar ao topo do Everest. Aretha vai ser a primeira mulher negra à chegar ao pico do Everest e, para ser bem exata, a primeira pessoa negra, porque entre os 20 homens que já chegaram lá, também não tem nenhum negro.
Arrasa, Aretha! Miss Elizabeth Hawley certamente vai vibrar por você onde estiver!
Atualização em 22 de maio de 2021: Aretha foi a primeira mulher negra latino americana a conquistar o cume do Everest! Maravilhosa, nada é impossível!
Bom, é isso, agora você conhece a história dessa mulher incomum que foi Elizabeth Hawley e também dessas brasileiras porretas que chegaram ao topo do Everest, além de uma penca de curiosidades aleatórias.
Agora só falta se animar e atender o chamado da montanha! Não esquece de ver todas as dicas que estão mastigadinhas aqui no blog para qualquer um fazer o trekking até o campo base do Everest, que já é uma das caminhadas mais maravilhosas que você pode fazer e uma grande conquista.
Só vai!
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